Água Viva (Edição com manuscritos e ensaios inéditos)
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Esta edição especial da Rocco, destinada a se tornar fonte de referência, oferece uma rara oportunidade. Ao reunir pela primeira vez em um mesmo volume os datiloscritos de “Objeto Gritante” e a versão final de “Água Viva”, o leitor terá a possibilidade de quase meter-se dentro da cabeça de Clarice Lispector e avaliar como lidava a grande escritora na hora de suprimir, modificar e tornar definitiva uma obra em processo. Trabalho de gênio. E aqui uma palavra tão gasta pelo uso exagerado – gênio – cabe à perfeição.
Considerado o livro mais misterioso e autobiográfico de Clarice, “Água Viva” saiu do prelo em 1973. Mas somente na década de 1980, após a morte da autora, veio a público o fato de a obra ter sido intitulada, originalmente, “Objeto Gritante”. A descoberta se deu graças à tarefa de pesquisadores mergulhados no Arquivo Clarice Lispector da Fundação Casa de Rui Barbosa, que guarda manuscritos, datiloscritos, documentos diversos e fotografias da escritora.
“É com uma alegria tão profunda. É uma tal aleluia. Aleluia, grito eu, aleluia que se funde com o mais escuro uivo humano de dor e separação mas é grito de felicidade diabólica. Porque ninguém me prende mais”. Quem lê as primeiras frases do romance (ou da novela, dada sua extensão), frases cheias de entusiasmo, não imagina o quanto custou a Clarice sua escrita. Enquanto trabalhava no que seria “Água Viva”, ela confessou aos amigos e até ao cabeleireiro – segundo relata Benjamin Moser em “Clarice: Uma Biografia – que “não sabia mais escrever”. Em carta para a amiga Olga Borelli, admitiu: “Tenho, Olga, de arranjar outra forma de escrever. Bem perto da verdade (qual?), mas não pessoal”.
Outra correspondência íntima teve papel decisivo na hora de superar a crise criativa. A escritora encontrou no filósofo José Américo Motta Pessanha um interlocutor ideal. Em carta delicada, Pessanha demonstrou apreço por “Objeto Gritante”, mas expôs seus temores diante de possíveis reações negativas e maldosas, sobretudo pela exposição da intimidade da escritora, a qual poderia parecer excessiva a algumas pessoas. O caderno de textos que completa esta edição da Rocco abre justamente com a carta escrita pelo filósofo, intervenção fundamental para a metamorfose do livro.
Clarice optou então por cortes radicais no texto e pela reescritura de muitas passagens. A protagonista, que era escritora, virou pintora. A operação rebatizou o livro, eliminou uma centena de páginas em comparação à primeira versão e permitiu enfim que a obra pudesse ser publicada.
Difícil classificar “Água Viva”, que radicaliza os já inovadores processos da autora. Sem enredo convencional, trata-se de uma novela híbrida em que diversos gêneros convivem em harmonia: poesia, teatro, diário, crônica, ensaio filosófico. Uma de suas frases mais citadas ganhou status de lema: “É-me. Sou-me. Tu te és”. Vale destacar o acerto do título, que lembra a fluidez de estilo que Clarice procurava no elemento vital da humanidade – que nutre, mas, em sua forma de animal marinho, também pode queimar.
Organizado e prefaciado pelo crítico e pesquisador Pedro Karp Vasquez e com concepção visual e projeto gráfico de Izabel Barreto, este volume de “Água Viva” apresenta, além da íntegra dos datiloscritos de “Objeto Gritante”, um caderno de ensaios. O primeiro deles, “As duas versões de ‘Água Viva’”, é de autoria do professor português naturalizado americano Alexandrino Severino – a quem Clarice confiou, em 1971, a primeira versão do livro para que fosse vertida ao inglês.
O segundo ensaio, da professora Sonia Roncador, retoma as questões da transmutação do texto literário e as aprofunda. A também professora Ana Clara Abrantes, de longa convivência com os originais de Clarice, comparece com duas contribuições: “‘Objeto Gritante’: uma confissão antiliterária” e “Escrita elástica”, sobre os arquivos da escritora. A série se completa com “‘Água Viva’: antilivro, gravura ou show encantado”, de Teresa Montero, idealizadora do passeio literário “O Rio de Clarice”.
Com este pequeno grande livro, Clarice Lispector conseguiu a façanha de descobrir um jeito transformador de escrever sobre si mesma. Um triunfo tão desconcertante que despertou assombro semelhante ao que a jovem autora provocara com sua estreia na ficção, o romance “Perto do Coração Selvagem”, de 1943. Um livro refundador. Da literatura e da própria Clarice.
*Release assinado por Alvaro Costa e Silva – jornalista